quarta-feira, 14 de outubro de 2009

I Love Mumbai!

Ja faz algum tempo que pretendo escrever sobre Mumbai, mas nao havia sentido ainda que era a hora, me faltava inspiraçao para escrever e tentar descrever essa cidade tao singular. Esse final de semana foi minha quinta vez na cidade e agora sinto que posso me arriscar a escrever. Digo arriscar pois mesmo sendo detalhista sei que e impossivel transmitir o que Mumbai representa, o que Mumbai provoca dentro de mim.

O que aconteceu de tao diferente dessa vez?
Foram 2 fatos sobre os quais vou dissertar, 2 fatos que representam o que eu acredito ser o grande diferencial dessa megalopole indiana. Dois fatos que retratam os seus habitantes. As pessoas! sao as pessoas dessa cidade que cosegue transformar o caotico em harmonioso, a pobreza em alegria, o susto em risada e o transtorno em reflexao.

Mumbai fica a 6 horas de trem de Vadodara, e para a maioria dos trainees (inclusive eu), ir a Mumbai durante o final de semana significa fugir do marasmo de Vadodara. E um final de semana para comer bem, ir a algum bar com os amigos e aproveitar a vida noturna.
Dessa vez eu fui sozinha. Um amigo meu que mora por la estava organizando uma noite de musica ao vivo na casa dele e como nao havia ninguem em Vadodara pois os trainees tinham ido viajar, resolvi pegar o trem no sabado de manha e chegar em Mumbai as quatro da tarde.
Ao descer na estaçao, fui empurrada no meio daquela muvuca ate a saida, onde peguei um taxi.Os taxis em Mumbai sao aqueles tipicos carros ingleses atigos, pintado de preto e amarelo. Logo na saida da estaçao havia uma fila enorme deles estacionados. Assim que me viram aproximar a disputa começou. Todos abrindo a porta, me chamando para entrar no taxi. Sendo turista eles sabem que e dinheiro garantido. Nao escolhi nem um , nem outro...continuei caminhando ate que vi um taxi mais a frente onde o motorista estava sentado no banco traseiro, mexendo concentradamente no celular. E esse taxi que vou pegar! Sabia decisao...como sempre, o vento estava a meu favor.

Tentei explicar o endereço para ele, mas como nao falava quase nada em ingles, foi complicado. Resolvi ligar para o meu amigo que explicou o caminho e fechou o preço em 200 rupias, ou seja, 4 dolares. O motorista era bem magrinho, miudo, com os olhos grandes e um sorriso (que apesar de destruido) um sorriso maior ainda. Estava todo feliz por me levar, toda hora olhava pelo retrovisor e abria um sorrisao. Por todo o taxi que passava ele buzinava, querendo mostrar a “turista” que ele levava. A alegria dele tinha um bom motivo. Muitos desses taxis nao sao propriedade do motorista em si. O que acontece e que eles “alugam” o carro. Na maioria das vezes eles pagam 300 rupias por semana ao dono do taxi, o lucro e dele, mas despesas com gasolina e manutençao tambem. Portanto,uma corrida com um turista, por 200 rupias e um grande motivo para comemorar.
Enfim....Mumbai e como uma Sao Paulo...cidade grande, trafego intenso. O caminho todo estava naquele tipico “anda-para”. Toda vez que parava, o motorista desligava o carro e so dava a partida novamente qdo o transito começava a andar. Diversas vezes ele tentava conversar comigo. Falava em hindi, como se eu pudesse entender, e as vezes algumas palavras em ingles.
-“ slow traffic Madame, slow traffic”.... a corrida levou quase 2 horas.

La pela metade do caminho ele parou o carro para comprar cigarros: One minute Madame, one minute....cigaret, one minute ok?
Aproveitei que ele parou e mostrando para ele minhas pilhas usadas, pedi para ele comprar pilhas novas para minha camera. Com um sorriso no rosto, depois de alguns minutos ele voltou com o cigarro e as pilhas.Troquei as pilhas e quando ele reparou que eu estava guardando a embalagem de volta na minha mochila para jogar fora depois, em um lixo, ele sorriu e falou em uma mistura de mimica com hindi e ingles: “ window Madame....put in the window...
Eu logo repliquei: Nehi, nehi....nao nao...
Ele insistiu...Dont worry Madame, window is ok Madame...here is India, India the best! India the best Madame! Not a problem in India, not a problem!
Obvio que eu nao joguei pela janela apesar de saber que e algo totalmente normal pra eles.

O trafego continuava parado, andavamos 5 metros a cada 5 minutos e em uma das vezes em que ele foi dar a partida, o carro nao pegou. Ele tentou 2, 3, 4, 5 vezes...e nada...nem um barulhinho...ele entao desceu do carro e com as maos na porta empurrou por alguns segundo e voltou correndo para dar a partida...nada.....tentou fazer isso mais algumas vezes e nada.....ele me olhou, estava suando, seu olhar estava inquieto mas me abriu um sorriso e disse: Dont worry Madame, my cab, good cab, not a problem Madame, 1 minute, 1 minute...

O transito estava parado, eu nao tinha muitas opçoes, por isso continuei sentada esperando para ver se algo acontecia...foi quando ele abriu o porta-luva e de la tirou uma chave de fenda. Abriu o capo, desceu do carro e foi tentar concertar...o capo estava tampando a minha visao, eu so ouvia os barulhos e algumas vezes ate via as faiscas que pulavam....
Ele voltou e tentou dar a partida....nada de novo....ele desceu e começou a bater mais e mais tentando concertar alguma coisa,mas ai eu percebi que realmente o taxi pifou! Coloquei a mochila nas costas e desci do carro no meio da avenida. Peguei o dinheiro e tentei pagar para ele a metado do combinado, mas ele nao aceitou e com insistencia me empurrou de volta para dentro do carro repetindo: Please Madame, please...my cab, good cab, 1 minute please Madame...
Foi quando em um ato de desespero ele começou a falar com o motorista de um taxi que estava logo atras de nos, levando um passageiro tambem e meio que implorando fez com que o outro taxista descesse do carro dele no meio do transito para ajuda-lo a empurrar o taxi. Os dois empurraram, ele sentou, deu a partida e.................o carro pegou novamente!
Na mesma hora que ele ouviu o barulho do motor funcionando, ele olhou pelo retrovisor, abriu um sorriso e falou: See Madame...my cab, good cab! Good cab Madame! The best, the best in India!
A felicidade dele era tanta que ate beijou a direçao enquanto secava o suor do rosto com um pano. Ao chegar na casa do meu amigo, paguei o combinado e um extra...disse que era para ele concertar o melhor taxi de Mumbai!

Na manha seguinte fui com uns amigos tomar um belo cafe da manha...Era um restaurante, mais arrumado e foi quando eu me dei conta de que era a primeira vez, em quase 6 meses que estava tomando um verdadeiro cafe da manha, com paes, queijos,frutas, doces...nossa...foi muito bom! Achei o pao tao gostoso que ate comprei um para levar para Vadodara, pois la e dificil encontrar um bom pao que nao seja o pao de forma.

Apos o cafe da manha fomos caminhar pela orla de Mumbai que poderia ser maravilhosa, mas ao contrario, e suja, e totalmente largada...estava observando as pessoas que moram nos slums e vao para la, nessa parte em especifico que e mais rochosa, para lavar a roupa, tomar banho, dar banho nas crianças e usar como banhiero tambem. Comentei com meu amigo que e uma pena, pois se o lugar fosse limpo seria maravilhoso! Ele repsondeu dizendo: Keren, 60% da populaçao dessa cidade mora nos slums....60% da populaçao nao tem agua encanada! Nao tem banheiro! Voce acha que eles se importam... ?
Continuei observando aquelas mulheres lavando as roupas no meio das pedras, dando banho nos filhos e tentei entender a vida dessa gente....foi nesse momento que, de repente, tres crianças vieram correndo em minha direçao, cantando, rindo, pulando e me cercaram, como se estivessem brincando e em um piscar de olhos arrancaram a sacola da minha mao. Foi tudo tao rapido, nao tive tempo de reagir ou ate entender o que estava acontecendo. Eles sairam correndo, gargalhando e nem se deram ao trabalho de fugir...ficaram la, bem na minha frente tentando abrir minha sacola. Quando enfim o menininho conseguiu abrir minha sacola e viu que era um pao que estava la dentro, ele deu um berro de alegria e começou a pular tao euforicamente que eu nao pude conter o sorriso na minha cara. Acho que se ele tivesse encontrado ouro, nao estaria tao feliz! As 3 crianças gritavam de felicidade. Sentaram e dividiram o pao. Eu tive que gravar esse momento.(link para o video no final do post)
O susto passou e quando eles me viram ainda por la, vieram sorrindo em direçao a mim, agradecendo pelo pao (que eles roubaram!), mas foi um ato de completa travessura! Nem se deram ao trabalho de tentar pegar na minha bolsa ou mexer no meu bolso...

Fiquei me perguntando se eu estava errada em me sentir feliz por ver aquelas crianças com meu pao, fiquei me questionando se eu estava sendo muito “romantica” em aceitar a situaçao, afinal, nao deixou de ser um assalto! Mas olhando aquelas crianças, divindo e devorando o pao, sorrindo para mim, nao tive como ficar amarga. Pensei em SP, nas crianças de la que infelizmente se acabam nas drogas,muitas andam armadas com facas e canivetes, acabam se tornando criminosas....aqui isso e algo inimaginavel, mesmo com condiçoes precarias de vida tao parecidas. E acho que esse e o diferencial de Mumbai. As pessoas. E apesar de ser algo inaceitavel do nosso ponto de vista, essas pessoas aceitam, e a fe tem esse papel aqui. Por terem fe religiosa elas aceitam as condiçoes, acreditam que se estao passando por isso nessa vida e porque merecem. Por isso que elas se ajudam, so com solidariedade e que eles conseguem conviver nos slums, conseguem sobreviver.

Nao consegui tirar a imagem daquelas crianças da minha cabeça...fiquei o dia inteiro ouvindo aqueles gritinhos de felicidade.E e isso que faz eu ficar fascinada por Mumbai. As pessoas. E como meu amigo disse, Mumbai te faz sentir um amor, mas um amor ativo, pois apesar de voce observar e sentir a felicidade dessas pessoas voce entende que a realidade delas e cruel, que elas merecem mais do que isso, que elas nao precisam viver assim, e isso te provoca, te instiga, te faz querer mudar. Nao e um amor cego... mas e um sentimento que te traz uma inquietaçao profunda.

Link para o video:
http://www.youtube.com/watch?v=5-P1aTK-VTA