sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Historia do Pescador

Quero te contar uma historia.
Nao por ter uma historia a ser compartilhada, mas por ter um personagem. Um personagem que merece uma historia a ser contada, mesmo nao existindo historia nenhuma. Que ele seja a propria narrativa. E ele 'e! Ele 'e o personagem, o motivo, o enredo e a inspiracao de tudo.

Em uma ilha da Thailandia, em uma praia bem tranquila, vazia, longe dos turistas eu estava caminhando pela areia esperando o por do sol. E 'e ai que meu personagem aparece. No momento em que eu passave em frente a uma pequena baia onde alguns barcos pesqueiros estavam ancorados. Vi um homem (nativo) e seu filho abastacendo um dos barcos, organizando os preparativos para a pesca daquela noite.

Quando tentei me comunicar com eles percebi que nao falavam absolutamente nada de ingles. Eu queria acompanha-los naquela noite e nada iria tirar essa ideia de minha cabeca.

Depois de algumas mimicas o pescador chamou um amigo que falava um pouco de ingles. Com a traducao simultanea consegui perguntar se era possivel eu me juntar a eles naquela noite. O amigo entao me traduziu que nao havia problema algum, porem que o barco so voltava as onze da noite.

Aceitei.
Subi no barco e sai para a pesca sem saber que seria uma das noites mais interessantes e bonitas da minha vida. Sem saber que eu ficaria admirada por um dos personagens mais especiais que cruzaram a minha historia; sem saber que essa noite seria mais uma noite daquelas que merecem ser guardadas para sempre na memoria.

Motor ligado. Muita delicadeza para sair com o barco pois a costeira do mar e cheia de pedras que so ficam visiveis com a mare baixa. O pescador precisa conhecero caminho minuciosamente para saber por onde passar e do que desviar. Seguimos durante uma hora em alto mar enquanto o sol ia descendo, e o ceu escurecendo. Pude apreciar um lindo por do sol.

Paramos o barco e esperamos o sol baixar por completo. O pescador me ofereceu cafe e uma planta, verde e bem amarga para comer, pois segundo a mimica dele, me deixaria acordada e sem sono durante a pesca.

Depois dele tomar o cafe e fumar um cigarro de palha, comecou a organizar a linhas e anzois amarrando cada coisa em seu devido lugar. Cada linha, cada vara em seu canto. Limpou um balde o deixou no chao, no meio do barco. O balde, estrategicamente colocado no meio de todas as linhas serviria mais tarde de compartimento do que fosse pescado.

Enfim escureceu. Ele segue entao para a pequena cabine e comeca e mexer em um quadro de luz cheio de interruptores. Luzes verdes neon, lampadas vermelhas...cada uma no momento certo, cada uma com uma funcao diferente. A luz de baixo do casco atrai os peixes maiores, enquanto as luzes verdes atraem os peixes menores da superficie.

Eu sempre gostei de pescar. Me lembro como hoje das noites que passava pescando com meu pai no pier de Ilhabela. Ficava ate tarde da noite por la, e mesmo em noites de garoa, noites frias e sem peixe eu insistia para ficar. Me agradava o fato de ficar sentada no silencio, observando o movimento da mare, escutando o barulho do mar, deixando o pensamento correr solto, imaginando que a qualquer momento um peixe poderia morder a isca.

E foi nessa noite do barco que eu pude perceber a comunicacao que existia entre aquele homem e o mar. Ele se levantava, ficava olhando para longe, observando aquela escuridao e escutando o silencio, como se estivesse procurando alguma coisa e depois de alguns segundos ligava o motor e partia para outro lugar. De hora em hora esse ritual se repetia como se apos observar e esperar alguns segundos, o mar o avizasse qual seria o proximo ponto a ser alcancado.

Com as luzes acesas muitos peixes pequeninos sao atraidos para perto do barco. Nao sao eles que lhe interessavam, mas sim as lulas que vinham atras para se alimentar. Lulas muito grandes! Elas comecam a se aproximar bem na superficie da agua possibilitando exerga-las a olho nu. Ai comeca a hora de trabalhar. Com muita habilidade ele lanca a linha com a isca chamando a atencao da lula e quando ela enfim morde a isca 'e a hora do "puxao" fatal. O puxao que voce da na hora exata para fincar o anzol na lula. Feito isso, e so recolher a linha e colocar a lula no balde.

A noite inteira foi assim. Em cada parada se acendiam as luzes e esperava-mos alguns minutos pelas lulas. Um ritual, uma danca, seguindo sempre os mesmos movimentos.

'E interessante pois pescar nao deixa de ser uma comunicacao que voce desenvolve com os seres do mar. Voce o chama, joga a isca atraindo-o para a morte e ele te segue, respondendo ao seu movimento, ele vem e morre. Ele e seu!

Eu ate consegui pescar algumas lulas, fato que deixou o pescador surpreso e admirado! mas com ele, com o meu personagem nao tinha erro. Cada anzol lancado significava uma lula a mais no balde. Ele tinha a tecnica. Olhava a lula, apontava exatamente onde queria que a isca caisse, consegue chamar a atencao dela, a atrai e "crau"! Ja era...

Ma so melhor de tudo foi perceber como aquele pescador magrinho, baixinho e aparentemente indefeso se transformava em um heroi no barco. A postos no leme, de pe, navegando aquele mar ele se transformava numa pessoa imponente, poderosa. Ate sua feicao mudava. Ele se tornava, aos meus olhos, a pessoa mais forte, confiante e heroica do mar, como um cavaleiro quando monta em seu cavalo ele tinha a perfeita pose de capitao enquanto navegava.

Foram lomgas horas no mar. Em cada parada pescava em media umas trinta lulas. Acabamos ficando ate mais tarde naquela noite. Passou das duas da manha.
Entre cafes e cigarros a comunicacao era dificil mas nao impossivel. Com gestos ele me perguntava se estava com sono, com fome ou com frio a toda hora sempre muito preocupado comigo demonstrando muito respeito. Certa hora ele pegou uma caneta e escreveu o nome dele na parede da cabine. Em seguida me passou a caneta e pediu que escrevesse meu nome. Assim fiz. Logo depois pediu que eu escrevesse "pesca" e assim, atraves de uma caneta e as paredes nos servindo como lousa, fomos conversando. Percebi que ele era uma pessoa muito curiosa e resolvi pegar minha maquina fotografica para mostrar as diversas fotos que estavam armazenadas. Tinham varias. Desde o Vietnam, Laos, Cambodia e Thailadia.
Ele olhava admirado! sem piscar os olhos. Sorria como crianca! Senti que eu estava abrindo um monte de janelinhas no mundo em que ele vive. Um mundo feito de areia e agua do mar. Foram mais de 1000 fotos, e ele queria mais e mais e mais...

Vi nos olhos daquele heroi, navegador, forte e imponente um brilho inocente e infantil. Um brilho de quem esta observando tudo pela primeira vez. Talvez o mesmo brilho dos meus olhos ao observa-lo pescando lulas, um olhar admirado e encantado.

Esse poderia sem duvida ser o heroi de qualquer historia. Uma pessoa simples, humilde, porem inteligente, segura de si e muito forte que apesar de carregar essa inocencia tocante por dentro 'e capaz, ao mesmo tempo, de enfrentar o mar todas as noites sem deixar de respeita-lo pois ele sabe que na verdade, quem manda 'e a natureza e que o poder esta nas maos dela.